“Não faz muito tempo, seu moço Nas terras da Paraíba Viveu uma mulher de fibra Margarida se chamou E um patrão com uma bala Tentou calar sua fala E o sonho dela se espalhou (...) E quando na roça da gente brilhar as espigas Vai ter festa e nas cantigas Margarida vai viver E quando na praça e na rua florir Margaridas Vai ser bonito de ver Vai ser bonito de viver!” (CANÇÃO PARA MARGARIDA/Zé Vicente)
Jovens, idosas, mulheres indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras, extrativistas, quebradeiras de coco, assentadas da reforma agrária, assalariadas rurais, agricultoras familiares, camponesas. Mulheres de todas as idades: meninas, jovens, velhas. Cerca de 70 mil mulheres ocuparam as ruas da capital federal, na manhã de hoje (12) em uma marcha que coloriu Brasília, em um momento de expressão pública da capacidade de mobilização e da expressão política das mulheres rurais.
Mulheres que vieram de todas as partes do país e de alguns países do mundo, as decididas, com uma pauta concreta de reivindicação e uma agenda de lutas que não começou, nem se encerra com a mobilização. Francisca Souza, 68 anos, veio Tocantins pela segunda vez para marchar com outras Margaridas. A distância não a impediu de seguir com as companheiras. “Estou aqui porque não perco mais uma Marcha das Margaridas. Venho porque aqui é do lado dos trabalhadores do campo e eu gosto do campo”, afirmou.
As margaridas marcharam (e marcham!) pelo desenvolvimento sustentável, pela democracia, justiça, liberdade, autonomia, igualdade, em defesa do meio ambiente, pela Reforma Agrária, sempre pela ótica das mulheres. Marcham pela democracia! E marcham pelo fim da violência machista que agride e mata mulheres todos os dias por todo o país. Marcham contra o agronegócio, os transgênicos e os agrotóxicos. Marcham contra o modelo de desenvolvimento capitalista e patriarcal que privilegia a concentração de terra e de riquezas e gera pobreza e desigualdades. “O campo está em disputa também com as multinacionais do país que acham que vão seguir concentrando terras”, afirmou Alessandra Lunas, Secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura (Contag).
|
Participante de todas as marchas, Otávia veio do Maranhão. Foto: Catarina de Angola |
Marcham em respeito à diversidade racial, étnica, geracional, cultural e pela autodeterminação dos
povos. Marcham pela Vida! Otália Souza Lima, 70 anos, é quilombola da comunidade de Prequeu, em Viana, no Maranhão, e veio para sua quinta marcha. Não perde uma edição. “Estou aqui hoje porque não podia em momento nenhum deixar essa marcha passar. Porque é a nossa luta e vivemos lutando pelo nosso território, pelos nossos direitos. A gente precisa exigir mesmo, porque pra nós não é pedido, não estamos pedindo, estamos exigindo nossos direitos. Estamos aqui para cobrar e este é um momento especial para nós trabalhadoras”, afirmou.
“Não é possível mais aceitar uma sociedade em que as mulheres vivem na situação de exclusão, com mulheres ganhando menos, com menos acesso às políticas públicas, com menos crédito e assistência técnica. São várias dívidas que a sociedade e o governo têm com as mulheres rurais e só vai mudar com a gente marchando”, Beth Cardoso, do grupo de trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do Centro de Tecnologias da Zona da Mata de Minas Gerais (CTA).
Além de marchar pelas ruas de Brasília as Margaridas realizaram várias atividades no estádio Mané Garrincha. Desde a reforma para Copa do Mundo essa é a primeira vez que o estádio foi usado em uma atividade da sociedade civil. Na abertura no dia 11, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva afirmou: “se tem uma coisa que o povo brasileiro aprendeu nos últimos anos foi fazer sua própria história. Cansamos de ser coadjuvante resolvemos de que era possível realizar nossos sonhos e até eleger uma mulher, apesar de muitos não quererem, que aos 20 anos foi presa e torturada.
Com a força do povo e com a coragem e garra das mulheres não vamos deixar ninguém atrapalhar o processo de construção democrática. O povo não saqueia, o povo trabalha. Vocês têm conquistas a cada marcha. Incomoda demais que uma menina nascida no Sertão pode ser doutora hoje.”, disse Lula.
Ainda na abertura da Marcha, Patrus Ananias, Ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), em resposta a pauta das Margaridas afirmou, “trago a mensagem de solidariedade e compromisso com a luta pela reforma agrária. Estamos com o compromisso de assentar todas as famílias acampadas hoje no território nacional até o final do mandato”, garantiu.
“Água limpa sem privar / Sede de todos acalmar / Casa justa pra crescer, Casa justa pra crescer Saúde antes de adoecer” - As Margaridas também marcham em defesa da política de convivência com o Semiárido que vem sendo implementada e fortalecida nos último 15 anos em resposta ao passivo histórico do Estado brasileiro com o Semiárido e, sobretudo, com a vida das mulheres, que veem suas vidas transformadas pelas ações de acesso à água, representadas, principalmente pelo Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que fortalecem a autonomia e contribuem para uma diminuição do trabalho das mulheres em buscar água, muitas vezes percorrendo grandes distâncias e possibilitando, inclusive a geração de renda no arredor de casa, além de possibilitar a garantia da segurança e da soberania alimentar e o fortalecer a agricultura familiar como modo de produção das famílias e das mulheres do Semiárido. "Não pode haver redução nesses programas que caminham para garantia da soberania alimentar e nutricional. E precisamos tirar a reforma agrária do volume morto", reforçou em sua fala a presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emilia Pacheco.
Cristina Nascimento, coordenadora executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado do Ceará, afirma: “Trazemos a expressão das mulheres do Semiárido e estamos aqui reafirmando os programas de convivência com o Semiárido, os quintais produtivos, as tecnologias que contribuem efetivamente para a qualidade de vida as mulheres. Precisamos continuar avançando na erradicação da miséria e pobreza com a permanência dos programas de convivência, especialmente os programas de primeira água e segunda água que pautam a segurança alimentar. ”, concluiu.
A agricultora Luciana Pereira da Silva, 30 anos, paraibana como Margarida Alves, veio de Cubati para sua primeira Marcha das Margaridas. Ela que produzia com uso de agrotóxicos e sentia seus efeitos na saúde, passou a produzir no próprio quintal a alimentação para a família a partir da conquista de uma cisterna de água para a produção e agora sem o uso de veneno. “A gente tá querendo igualdade entre nós. A igualdade ainda está distante, mas a gente tem que lutar pra isso. A gente tem que lutar contra os preconceitos que tem na nossa sociedade pra que eles não existam mais. Eu e muita gente aqui viemos para que os projetos de convivência com o Semiárido continuem, para que eles não parem. E tem muita gente que já revende no final de semana, a partir do que produz no seu quintal, com água das cisternas”.
A presidenta Dilma Rousseff em seu pronunciamento às Margaridas na tarde desta terça-feira (12) se comprometeu em implementar 100 mil cisternas de captação de água da chuva para o incentivo à produção de alimentos até o final do seu mandato em 2018. Colocou também que irá continuar trabalhando no Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) para o incentivo à produção orgânica e agroecológica.
“A marcha é uma chegada e uma partida. Aqui recarregamos as energias, revigoramos nossa esperança e militância e reafirmamos que a rua é o lugar da luta e o lugar de reafirmar nossas bandeiras. Voltamos daqui para as dinâmicas da ASA e essa marcha tem que permanecer latente. A gente volta com esse desafio da marcha continuar nos nossos estados, nas nossas comunidades”, afirmou Cristina.
A Marcha das Margaridas também teve o desafio de acontecer em um contexto social de político e fortalecimento do conservadorismo, do fundamentalismo e machismo na sociedade brasileira e nas instâncias de poder como o Congresso Nacional que avança contra os direitos e as políticas historicamente conquistadas por trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade, a Marcha, nesse sentido, também se configura como espaço de unidade das mulheres rurais e do conjunto da classe trabalhadora e da construção de um país soberano e igualitário entre homens e mulheres.
“Até que todas sejamos livres nós temos que estar em Marcha”, reafirma Beth Cardoso. E pontua: “tivemos muita conquistas, mas ainda precisamos caminhar mais”.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário